O Melhor Presente Que o Parkour Poderia Me Dar

By Tatiana Maria - 00:01

Por Mariana Reis, Rio de Janeiro.

Ontem, dia 12 de Outubro de 2013, dias das crianças, e como conversávamos pela manhã, é um dos dias do ano em que as crianças já sabem decorado, se cai em um dia letivo elas não perguntam o número para por no cabeçalho, o presente que as espera não as deixa esquecer. Para pessoas de 17 a 19 anos de idade, ganhar um presente é uma raridade sem igual, não são mais considerados crianças, não merecem tal dádiva, porém, ontem me deram um presente, mesmo já tendo passado da idade, eu ganhei um, e acho que não só eu como todo o grupo Rio X Flow.
Eram 10:35 da manhã quando o grupo todo estava reunido no Largo do Pechincha, localidade comercial de Jacarépaguá- RJ, estávamos pronto para começar mais um dia de trabalho, estivemos naquele lugar a alguns meses arrecadando fundo para restaurar a Praça da Mirataia, nosso pico regular de treinos. Dessa vez o motivo era não menos importante, apresentada a oportunidade de ajuda mútua com uma Ong Ecológica em Arcozelo precisávamos de recursos para dar início a um grande projeto, que ainda é uma surpresa. Começamos como sempre, aquecendo, alongando e depois uma rápida oração, mesmo que todos não fossemos religiosos, terminada os 9 membros do grupo começaram suas tarefas. Rodrigo, Felipe, Lucas e Luís começaram com os giros utilizando o jump, me ocupei em pegar algumas fotos, informar nosso trabalho a quem passava e filmar algumas cenas, meu irmão, Marcelo, exibia alguns movimentos de Street Dance e Laís, Bianca, Andrey e Matheus informavam as pessoas dos carros pedindo qualquer colaboração. Um pouco antes do almoço um Senhor veio conversar comigo, me informou que às 15h as ruas dali seriam fechadas para comemorar o dia das crianças e fez um convite ao grupo, perguntou se não gostaríamos de mostrar um pouco da nossa arte para as crianças e falar um pouco do que fazíamos, além de que lá mesmo poderíamos pedir as contribuições. Liguei para o Sr. C. que tinha marcado uma reunião com o grupo para ver como estavam nossas metas e ele concordou em ver nossa apresentação e depois conversarmos. Após 3h de giros, acrobacias, danças, coreografias de luta e explicações do nosso trabalho, partimos para a apresentação, montamos uma coreografia e nos encontramos com o Sr.C., pensamos em algo que não só mostrasse o parkour, mas como a prática pode levar a várias outras atividades, e nos organizamos para mostrar dança, luta, parkour e tricking. Depois de nos organizar ficamos esperando para a apresentação, mas, segundo o organizador iria demorar, pois o equipamento estava dando problema, a única coisa que rolava para alegrar a multidão de pais e crianças que estavam ali era um funk oldschool, nos afastamos um pouco e começamos a brincar com um pequeno “olho de gato” no meio da rua, daqueles que separam as faixas, fingíamos fazer manobras e nos esforçávamos para nos distrair e passar o tempo, enquanto exibíamos nossas habilidades em um obstáculo de 2,5cm meu irmão começou a dançar e puxar um pequeno “raxa” de break dance, nos juntamos e ficamos dançando, incitando uns aos outros a fazer algo melhor, até que um pequeno rapaz, que devia ter uns 5 anos, se juntou a nós e começou a dançar, fazer passinhos e trabalhar no chão, batemos palma, incitando-o a fazer mais, e com isso mais crianças ficaram confortáveis em se aproximar de nós. Pouco tempo depois um senhor que bebia um shop se aproximou e pediu para que fossemos mais para a festa, que o seguíssemos e quando ele parasse que ficássemos lá. Recomeçamos a dança pedindo para que o garotinho de antes puxasse o desafio, mais crianças se aproximaram e puxaram palmas, gritos e algumas se arriscavam a entrar na roda, decidimos começar a apresentação ali mesmo, vide que tínhamos o olhar atento das crianças. Marcelo e Lucas começaram com uma batalha de dança, dando espaço para o Luís fazer um solo, seguindo a entrada da Laís derrubando o Luís com alguns golpes de luta teatrais, ela saiu, batendo na minha mão como um incentivo a terminar, com isso Lucas entra para honrar seu amigo e travamos mais uma luta, sem campeão, ele, Matheus, Felipe e Luís se curvam para demonstrarmos algumas movimentações do parkour, Bianca com o Andrey, Marcelo com Joaquim, um garoto de 11 anos com talento para a arte, eu e Laís para fechar, terminando com um mortal do Lucas, iniciando os giros. Quando abrimos os olhos para olhar mesmo para a multidão, só uma coisa passou pela nossa cabeça, emocionante, pais gritando, crianças batendo palmas, o grupo me pôs em cima do jump, deram as mãos e nós agradecemos o carinho e atenção. Teci algumas palavras sobre o parkour, sobre grupo e união, sobre diversão e saúde, sobre consciência, pedi para os que pudessem ajudar, que ajudassem, aos que não pudessem, que apreciassem a arte ao menos, porque era para eles, diversão e vislumbre apenas. Conversei com muitos pais, deixei contato, convidei a todos para participar de aulas e treinos, ouvi muitos elogios, alguns incomuns como “louca” e “absurda”, mas todos infestados de carinho e emoção, depois de ouvir cada criança, de falar com todos, e mais uma vez agradecer, fomos aplaudidos e então tomamos o caminho para nossa praça, que era nosso lar.
O dia tinha sido cheio e para mim e tenho certeza que para o grupo, um treino leve, uma conversa e um refrigerante bem gelado, seria o suficiente para deixar a alma em paz, só que as surpresas não tinham terminado.
Chegamos na praça, e lá havia outra festa para as crianças dos arredores, qualquer um podia beber refrigerante e comer cachorro quente e bolo de graça. Nos abastecemos e fomos para a reunião, no fim dela, Sr.C. só nos disse uma pequena frase: “Olha mais uma oportunidade.”
Todos pararam e começamos a escutar as músicas da festa e a voz da animadora que entretinha um grupo de 25-30 crianças, todos entendemos e antes de conseguir agir D.Jeanne, presidente da associação da Mirataia, veio nos trazer uma caixa de picolé, um pequeno agradecimento pela atenção que a praça começou a chamar devido a pintura e os desenhos, aproveitamos a presença e pedimos a ela uma oportunidade de chamar as crianças para uma oficina de parkour, ganhando um consentimento imediato. Terminamos o picolé e fizemos o anúncio da oficina, eu e mais dois companheiros estávamos subindo, observando dois pequenos meninos, os únicos que subiam para o local da oficia e meu amigo disse: ”Poxa! Só dois!”, e eu respondi a ele: “Já são dois!” Apesar do meu otimismo eu estava um pouco decepcionada por dentro, até que olhei para trás e vi as 25 crianças correndo na direção do grupo, coloquei os membros da Rio x Flow na frente e perguntei as crianças se alguém sabia o que era Parkour, pensando no exato momento se eu sabia o que era, ou se eu poderia explicar o que eu achava que era, que é, o Parkour. Apenas 3 crianças levantaram a mão, respondendo que era dar giros e mortais, pular de prédios, pular de um muro para outro, etc. Respondi a eles que muitos pensam assim, mas que vai muito além de pular nos muros, tentei passar o sentimento de liberdade, felicidade e força que corre em mim quando eu pratico, expliquei que o parkour os torna fortes, não só o corpo, mas também a mente, perguntei-lhes se caso o apartamento deles estivesse pegando fogo, o que fariam, “pular!” foi a resposta de todos, tentei colocar obstáculos na frente, o que fariam se não pudessem passar por causa de um armário caído, e eles não conseguiam mais resolver, tentei mostrar o quanto a prática do parkour poderia tornar isso fácil, melhorar as habilidades de cada um, obter uma nova visão do que seria um obstáculo, superação de medos, um trabalho do físico e da mente, juntos, um método, “Ser forte, para ser útil.” e “Ser e durar.”
Depois disso, foram formadas 3 oficinas, uma de precisão, uma de vaults básicos e outra de escalada de muro, 10 min cada, todas as crianças passaram por todas, recebendo instruções, dicas para melhorar, aprimorar e não se lesionar. Eu estava na oficina de escalada, e pedi para que, em um muro médio, eles chegassem perto, espalmassem a mão e impulsionassem o máximo para cima, depois colocar o pé e descer o muro, estava indo tudo normal, alguns com facilidade, outros não, até que um garotinho, chuto 6 anos, correu, pisou no muro e subiu, ele olhou para mim e disse que não tinha conseguido só pulando, então pisou no muro para poder subir, sem contar as garotas, tinha uma, 9 anos que era mais pesadinha que as outras, e quando ela tentou de primeira, ela não conseguiu e todas as outras crianças riram, pedi que parassem, pois todo mundo tinha suas dificuldades, para a minha surpresa essa pequena garota, na última execução fez o movimento sozinha e não colocou o joelho no muro, desceu sorriu pra mim e voltou pra fila, aplaudimos a todos, e encorajamo-la a nunca desistir como tinha feito . Terminamos com um alongamento em grupo, e perguntei se todos gostaram e a resposta foi unânime, todos adoraram ouvir as histórias, tentar e até mesmo evoluir! Os convidei para um treino nos fins de semana e a maioria me prometeu comparecer. Depois que acabou vários se reuniram a minha volta, me perguntaram meu nome, se apresentaram, me perguntaram das técnicas que aprenderam e agradeceram pela aula, porém, quem deveria agradecer era eu, o dia já havia sido incrível, e depois de ver toda a felicidade que emanava daquele grupo de crianças, por ter conseguido se superar, mexeu comigo de uma forma única. Olhei para o grupo e vi todos se abraçando, parabenizando uns aos outros e percebi que o Parkour havia me dado o melhor dia das crianças que eu já tive, e que eu pude dar um dia das crianças maravilhoso para várias, fiquei refletindo o quanto a prática pode ser mais do que teorias, treinos e físico, realmente não é chamada de arte a toa, tem seu sentido, seu impressionismo.
Obrigada a todos os membros da Rio X Flow que estiveram lá e aos que não puderam ir, que possamos passar coisas boas sempre e estar unidos ao máximo para mostrar que o parkour vai além de só pular longe!

- Mariana Reis – Rio X Flow

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