Por Ana Antar
Há pouco tempo começamos timidamente em
Salvador uma iniciativa, um treino só para o público feminino, o TPM (Treino
Para Meninas).
Quando começamos ainda não tínhamos um
nome, ele surgiu do amadurecimento da ideia. Queríamos algo simples, claro e bem-humorado
também. Por que não? Que tal se utilizar de uma ideia frequentemente pejorativa
e subverter o conceito?! E assim surgiu o TPM!!!
Bem, comecemos com alguns dados sobre
esse treino: Ele acontece aos domingos às 08:00h da manhã, horário em que, até
então, não existe nenhum outro treino oficial. Logo, ele não disputa espaço com
os treinos existentes, você pode ir aos TPM’s e ainda frequentar todos os
treinos que já existem (e incentivamos isso fortemente). Faz-se importante
perceber que esse espaço surgiu espontaneamente, não é um espaço de oposição,
mas sim de soma.
- Ah, mas se é um espaço de soma por
que meninos não podem frequentar?
Vamos lá, esse espaço está se construindo,
é um espaço ainda frágil, com meninas que vem de experiências diversas, mas que
pretende fomentar, não só o início da mulher na prática, mas, sobretudo, a sua
permanência.
Os treinos gerais que acontecem, são
pensados para o todo (e tem de ser assim). Ao treinar com outras mulheres,
percebi que temos algumas dificuldades distintas dos homens, corpos diferentes,
heranças socioculturais diferentes, percepção de movimentos, enfim, coisas que
acabam por interferir direta ou indiretamente na nossa prática.
Essa
é uma foto do último Encontro Feminino. Reparem que existe um número de homens
consideravelmente superior, mesmo com as meninas sendo o foco do evento.
Senta que lá vem a história...
Tive a oportunidade de ir ao 6°
Encontro Feminino de Parkour em Vitória do Espirito Santo, e lá tivemos uma
exeperiência única: Treinar com outras meninas! Tivemos também um incrível bate
papo voltado para o cenário do Parkour Feminino Brasileiro. Bem, talvez você
que está lendo isso não entenda a importância disso tudo, o que é natural.
Quando comecei a treinar também não enxergava sequer a necessidade de um
Encontro Feminino (já pedi desculpas por isso), simplesmente achava que o
Parkour estava aí para todos e ponto.
Ok, isso é parte da
verdade, mas existe também um outro lado da história... Quando cheguei ao
Encontro conheci meninas que nunca tinham treinado com outras meninas, que
tinham dúvidas que não necessariamente eram respondidas pelos seus colegas de
treino, ou que tinham vergonha de perguntar determinadas coisas (sim, ainda
existe vergonha no mundo e ela não é perdida do dia para noite) e isso acontece
de ambos os lados. Vou dar o fatídico exemplo do planche: ninguém (nenhum dos
meninos com os quais eu treino) nunca havia me dito que empinar a bunda na
hora de empurrar a barra, ajudaria na subida e isso foi basilar para o
entendimento do movimento.
- Ah, mas por que não me disseram isso?
Porque os homens não queriam que eu
fizesse o planche? Porque eles são malvados? Não, simplesmente porque homens, às
vezes, também tem vergonha (pasmem o.O!!!)
- Ah, Ana pra quê essa história toda?
Bem, essa história toda é para dizer
que, da forma como a sociedade está estruturada, ainda precisamos criar espaços
de troca, espaços de ensino e aprendizado em conjunto. E foi isso que fizemos
ao criar o TPM. Criamos um espaço onde podemos treinar com qualquer roupa, um
espaço onde cuidaremos especificamente das nossas dificuldades.
#PartiuTreino!
Afinal, o treino geral é para todo
mundo e não para resolver especificamente minhas dificuldades. Com isso,
criamos um espaço onde treinamos, trocamos informações, falamos besteira...
Exatamente como qualquer outro treino, mas um espaço aberto voltado para o
público feminino.
Nos Treinos focados para meninas
entendemos que a curva de aprendizagem às vezes pode ser maior em determinados
movimentos, assim como no ganho de força e isso requer no mínimo mais
paciência, mais cuidado para que uma pessoa vá embora desse treino e volte no
seguinte. Não consigo precisar o porquê de tantas pessoas abandonarem a prática
logo no início, mas estamos tentando mudar isso. Obviamente que não existe uma
causa isolada, mas um conjunto delas. Algumas pessoas simplesmente não gostam
do Parkour depois que descobrem o que ele realmente é, por mais que a gente
(praticantes) não entenda isso. Nós queremos um lugar onde não estamos indo por
causa do namorado, queremos aquele espaço que podemos ir de legging, de short
ou até de moletom num calor de 40°, e isso não vai ser levado em consideração.
- Ah Ana, esse espaço já existe!
Ok, esse espaço começou a existir, mas
não existia aqui em Salvador quando eu comecei a treinar. Que bom que hoje a
roupa não é mais um assunto a ser discutido. Todavia, isso era algo tão
incutido em nós que pergunto às meninas que começaram há pelo menos três anos:
Como era aparecer de legging num treino? Lembro de muitas meninas que foram
recomendas a ir para os treinos de calça tipo moletom, por causa da recepção
que uma calça justa causaria nos garotos. Às vezes, simplesmente reproduzimos
comportamentos sem questionar; às vezes isso é tão natural que sequer
conseguimos enxergar como isso é para o outro. No primeiro TPM, em que
Kekel (Cléria Nascimento - uma iniciante daqui de Salvador) participou,
conversamos ao final sobre esses treinos e como algumas pessoas não entendiam a
necessidade deles. Ela, muito lucidamente, nos falou: “Acontece que, às
vezes, o discurso do opressor está tão enraizado que o oprimido o reproduz sem
nem perceber”. Para alguns pode soar exagerado ou vitimista, mas, na verdade,
é tudo muito simples, é só um espaço para mulheres.
Esse texto foi escrito para dizer que,
por enquanto, precisamos de espaços auto organizados por nós e para nós
mulheres, para que, futuramente, eles não precisem existir, por mais paradoxal
que isso possa parecer. Assim, por ora, temos o TPM, um treino criado por
mulheres, gerido por mulheres, para mulheres, mas que não se exclui do resto do
cenário, apenas cria uma nova possibilidade. O que queremos com isso? Queremos
que mais mulheres se envolvam com o cenário, que mais mulheres comecem e
continuem praticando. No fundo isso é apenas uma experiência que torcemos muito
para que dê certo.
Apesar de parecer estranho para alguns, na gringa já rolam treinos exclusivamente femininos há um tempo, com os mesmos objetivos que os nossos: inspirar cada vez mais mulheres a conhecerem a prática e tornar o primeiro contato o mais acolhedor possível.
Assim, esperamos que esse projeto dê frutos, para que possamos abrir cada
vez mais espaços de discussões, para que esses hiatos culturais de gênero
possam diminuir a ponto de não precisarmos mais falar sobre eles. É a minha
atual utopia, o horizonte que eu sigo buscando.
1 comentários
Onde vcs treinam em Salvador???
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