O começo:
Um dia sonhei que podia voar, que podia cair de alturas consideráveis e não me machucar, que podia ultrapassar obstáculos inimagináveis e o melhor, eu podia fazer tudo isso ao mesmo tempo! Foi um sonho tão exuberante que pude viver as sensações do momento, lembro-me perfeitamente de todas. Abri os olhos sem acordar, ainda estava vivendo aquilo, ainda estava com aquela sensação de liberdade, gozo, realização. Estava no *estado alfa! Mas acordei de fato e percebi que tudo aquilo não havia passado de um sonho, eu ainda estava na minha cama, no meu quarto, na minha casa, na minha bolha... Esqueci dele por um tempo. Logo, sem um motivo aparente me vi em uma praça desconhecida com pessoas “desconhecidas” fazendo algo desconhecido, Parkour. Não foi preciso muito tempo, daquele momento em diante (do meu primeiro dia de treino, dia 26 de junho de 2010) percebi que o Parkour iria fazer parte da minha vida, que ele já fazia parte dela muito antes de eu conhece-lo. A semana seguinte foi a “pior”, dores musculares em todo milímetro do meu corpo, respirar doía! Acontece que eu não gosto de tomar remédio, então passei essa ‘fase’ sem ajuda de droga alguma. Há quem vá achar que sou maluca, mas era uma dor tão prazerosa, uma dor que não me deixava esquecer o porque dela: Finalmente eu estava ME explorando, explorando MEU corpo! Comecei muito tímida, não treinava com muita gente olhando (4 pra mim já era muito), não corria, não participava ativamente das conversas, apenas ouvia e absorvia o que podia, mesmo tendo uma ideia/conceito formado a respeito do assunto abordado eu apenas absorvia tudo (até hoje tenho umas recaídas pra minha timidez...). Conforme evoluía nos treinos e me entregava ao Parkour sentia algumas sensações já vividas, só não recordava onde nem quando. Fazendo uma movimentação me ocorreu um Déjà vu (ou Déjà vi) e em fração de segundos percebi q havia estourado a bolha em que vivia, percebi que era sim possível voar, que os obstáculos são simples, (independentes de serem físicos ou psicológicos) não mais inimagináveis ou insuperáveis, assim como a infelicidade, o insuperável, o inviável , o impossível, também ‘é uma questão de prefixo’. Sem que eu mesma percebesse isso virou rotina: treinos aos sábados, ás 15:00hs. Passava a semana toda me programando para o tão esperado sábado, quando o mesmo chegava já acordava feliz, fazia o que tinha que fazer pela manhã para ter a tarde livre. Não gostava/gosto de chegar sozinha nos treinos, então convidei meu irmão mais novo (11 anos) para treinar também, ele foi e ainda hoje vai e minha irmã mais nova (14 anos) que também foi, mas hoje não vai mais. Nossa, como era bom me arrumar para os treinos, sair de casa no calorzão de Teresina e ir caminhando para os picos encontrar o pessoal, isso me nutria, me inspirava e pensamentos como ‘o calor tá de matar, a praça é longe, sábado é mais perigoso, vou voltar tarde e sozinha’ não eram suficientes para me prender em casa, era/é animador estar com eles e estar com eles treinando então?! E era assim que meus dias, semanas e meses iam se passando.
*O estado alfa caracteriza-se pela emoção que se pode sentir por algo que realmente não está a acontecer, mas estamos a imaginar..
Superação em conjunto:
Tem uma praça aqui chamada Praça Da Costa e Silva, vulgo Praça da Cepisa, ela é o berço do Parkour em Teresina, onde tudo começou para muitos, e comigo não foi diferente. Lá tem um paredão de uns 4 metros (ps.: não tenho noção de comprimento, mas acho q é isso mesmo) e todo treino eu ficava paquerando ele, via os meninos subindo com tanta facilidade que dava até raiva, então decidi ‘vou subir também!’ e comecei a treinar pra isso. Contanto SEMPRE com o apoio dos mais antigos, ou como eu gosto de chama-los ‘dos meninos’ os quais sem eles eu não teria conseguido nada. Treinava alguma movimentação (relacionada á subida no paredão) com um, outra com outro e assim iam minhas sofridas tentativas de alcançar o paredão. Valtenir colocou uma pedra perto do paredão e me ensinou como usa-la para pegar mais impulso, cada tentativa algum deles me dava uma dica diferente, Victor falava o melhor jeito de correr (“vem correndo e explode no final, pertinho da pedra”), George dava todas as dicas ao mesmo tempo, subia quantas vezes fossem necessárias pra eu ver e sempre ficava comigo esperando o final do treino, onde a maioria do pessoal tinha ido embora (eu esperava ter o menor número de gente olhando possível), Franklin dizia pra eu colocar o pé o mais alto possível e TODOS os outros também davam dicas. Todo treino era assim: eu me batendo na parede, machucando o pé na pedra, chegando com as pontinhas dos dedos e soltando, pois não tinha força pra segurar, rasgando as mãos, mas nunca desistindo, até porque quando pensava em sentar com ódio sempre tinha algum dos meninos por perto dizendo algo do tipo ‘bora lá, volta que eu quero ver você subindo ele ainda essa semana’, ‘desiste não, tá quase lá, só mais um pouco’, ‘descansa um pouco e volta’ etc. Até que um dia... Rá, eu consegui. Eu consegui!!! Pense em uma felicidade imensa. La do alto, com as mãos para cima, pulando e dançando gritei ‘CONSEGUI! UHUUL EU CONSEGUI, SUBI O PAREDÃO’ Valtenir que estava meio afastado veio correndo perguntando ‘subiu mesmo?! Não vi, vai ter que subir novamente pra eu ver’. Eu que antes estava pulando, dançando e comemorando parei ‘ta louco? Subi aqui morrendo, tenho mais energia não...’ e ele ‘rum! Conversa rapaz, desce logo daí e sobe, subiu uma vez tem que subir de novo!’ E assim o fiz, morrendo (ao cubo), mas fiz. Esse foi só o primeiro desafio que enfrentei, citei ele porque é o que acho mais interessante, é o que mais gosto.
Acidente que me ‘afastou’ dos treinos durante 1 ano:
Muita gente quando me vê me pergunta sobre minha cicatriz no pescoço, acho que nem todos sabem de um acidente que tive, então resolvi escrever um pouco sobre ele, assim todos ficam sabendo de uma só vez. Pouco tempo depois da minha triunfante subida no paredão (uma ou duas semanas) viajei com minha tia, irmã, prima, afilhada e amigas para a praia (Luís Correia) onde tive a brilhante ideia de treinar giro (front) e exatamente no dia 28 de outubro de 2010 consegui fraturar a coluna cervical (pescoço). Em ‘resumo’ foi assim: Acordei bem cedo e chamei minha irmã, caminhamos pela praia até encontrar um local pouco habitado, onde podíamos treinar sem sermos perturbadas e então começamos, joguei um front, dois, três e no oitavo, já esgotada, não completei o giro (não que estive completando perfeitamente nos anteriores, mas estava caindo pelo menos de bunda) e cai sobre o pescoço, ouvindo um estalar, imediatamente (sem exagero) pensei ‘porra, o paredão, o Parkour’ e logo me dei conta que estava totalmente sem os movimentos dos membros superiores e inferiores, tentava movimenta-los e não conseguia. Sempre com muita calma tive o seguinte diálogo com minha irmã: ‘Mireia, não estou sentindo minhas pernas nem meus braços.’ ‘Eita... e agora?’ ‘Rapaz...
bora esperar um pouquinho, ou eles voltam ou encomendo logo a cadeira de rodas. Ou o caixão...’ Foi tudo tão calmo que até hoje ninguém acredita, mas eu sabia que chorar, gritar, me desesperar não adiantaria absolutamente NADA e sabia também que não deveria tentar me movimentar, sob hipótese alguma. Chegou até a ser engraçado, eu estava naquela situação e estava fazendo piadas, me acabando de rir com minha irmã, mas não vou contar aqui, vai parecer (e foi) idiota. Por volta de 20min mais tarde comecei a sentir formigamento e dores nos membros, a melhor dor do mundo. Eu não havia ficado tetraplégica! A essa altura eu já tinha quase desmaiado, já tinha dito pra minha irmã pedir ajuda em uma casa que tinha lá perto (antes do acidente tinha visto gente lá) porque não estávamos conseguindo chamar a ambulância, que só foi chegar 40 a 50min depois de acionada, enfim. O local que eu me encontrava era de difícil acesso e pouco habitado como já disse, logo o que aconteceu? O motorista da ambulância se perdeu. Eles chegaram e recebi os primeiros socorros, no mesmo dia fui mandada de volta para a capital, Teresina. Depois de muitos exames, peças encomendadas, chega o dia da cirurgia (dia 5 de novembro de 2010), tudo ocorreu perfeitamente bem, graças a Deus. Uma semana pós cirurgia, dia 12 de novembro (dia do aniversário da minha mãe) volto pra casa. O tempo que fiquei nos hospitais todos os dias os meninos ligavam, mandavam mensagem, iam lá (não só eles, mas como o texto é em relação ao Parkour não posso deixar de comentar deles). Já havia passado a cirurgia e essa uma semana que ainda restava não passava nunca, lembro-me de acordar um dia no meio da noite sem saber onde estava e podia jurar que nada daquilo era verdade, foi quando reconheci o quarto e coloquei a mão no pescoço, disse pra minha mãe que não queria mais ficar ali, queria ir para casa. Quando entrava algum médico, enfermeiro, estagiário (meu caso era muito legal, sempre tinha alguém fazendo alguma pergunta ou algum teste, de reflexos) no quarto eu apenas colocava o travesseiro no rosto, fingia estar dormindo pra não ter que conversar com eles ou simplesmente virava o rosto e não os respondia. Horário de visitas, George chegou com Gustavo, eu sorri muito nesse dia das palhaçadas deles e então o dia passou rápido. Passado o acidente, a cirurgia, a fisioterapia, a recuperação, dia 08 de outubro de 2011 voltei a treinar. Antes de voltar oficialmente eu ia para os treinos (com aquele colar lindo de imobilização) com os meninos, eles passavam aqui em casa pra me buscar, diziam para meus pais que não deixariam eu fazer nada, que eu só ia olhar e assim era feito, até porque eles diziam que se eu fizesse algo não iriam mais me chamar nem me levar mais pros treinos. Depois da retirada do colar eu ia pros treinos e ficava caminhando nos canteirinhos, treinando somente equilíbrio. Não posso deixar de comentar que achei bonitinho no dia da retirada dos pontos, Valtenir que foi comigo e minha mãe, sei que conversa vai conversa vem minha mãe disse que eles não tinham nada a ver com o que aconteceu, essas coisas, e ele disse ‘não, temos sim. Quando ela caí a gente cai também’.
Retorno:
Como já mencionei acima, dia 08 de outubro de 2011 voltei aos treinos, porém estava indo escondida, como dizia George ‘eu ia disfarçada’, colocava a calça de treino por baixo e short um pouco folgado por cima, onde enrolava a calça até esconde-la por completo, jogava o tênis pela varanda e saía dizendo que ia na casa de uma amiga, saia de casa com o chinelo e lá fora calçava o tênis, escondendo a havaiana no canteiro para quando voltasse e ia treinar feliz da vida. Se não me engano nesse mesmo dia conheci Chakal, Léo, Wesley, Erick e Romeu. Pouco tempo depois conheci Ricardo, Alê e a Dona Socorro, ops Socorro. Pessoas maravilhosas, todos
eles. Convidei os três últimos para lanchar aqui em casa, assim como George, Valtenir, Daniel e Franklin, o que foi uma ótima oportunidade, meus pais conversaram um pouquinho com todos e desde então passei a ir pros treinos sem ser ‘escondida’. Quando meus pais insistiam que eu não voltaria a treinar eu dizia sempre que de nada adiantava eles perderem tempo falando isso, que mesmo q me amarrassem eu daria um jeito de ir, também usava meu pai como modelo perguntando quantas costelas ele tinha fraturadas e quanto por cento da visão reduzida em decorrência de diversos acidentes de moto (coisa que ele adora fazer: andar de moto.) e qual era o atual meio de transporte dele, enfim... eles já haviam entendido e aceitado. Hoje em dia quando perguntam pra minha mãe o que ela acha a respeito de eu ter voltado pra ‘esse negócio’ (como chamam ¬¬’) ela diz: ‘fazer o que né? A gente faz aquilo que nos da prazer, se é isso que ela gosta...’ Tudo bem que o acidente não foi fazendo Parkour, mas ele bem q teve sua parcela de culpa. Treino vai, treino vem e o Nordestino (V encontro nordestino de Parkour) se aproximando, George e Valtenir estavam confirmados com um bom tempo de antecedência, mais tarde Chakal e Leo também confirmaram e por último eu que já estava feliz com George e Valtenir pra eu encher o saco, imagina quando soube que iriam mais dois? Vou parar por aqui porque se não vou querer falar do pré encontro, do encontro e do pós encontro, dos Baianos em Teresina e isso vai levar mais umas 70 folhas (não, eu não sou exagerada! Ah, nem irônica). É isso ai, não sei o que vocês vão absorver do texto, mas serve pra matar a curiosidade de alguns. =D
Treinem sempre olhando para frente, aprendi com Marcos que devemos olhar para o obstáculo, não para o chão enquanto estivermos a realizar algum movimento. O chão é sempre constante. Quando for fazer um monkey em uma mureta, por exemplo, foque nela do início ao final do movimento.
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